Impressões Recentes

Whiplash: Em Busca da Perfeição, 2014.



Vira e mexe, a Academia resolve botar um filme "menor" para concorrer ao prêmio de Melhor Filme. Quando isso acontece, geralmente são filmes mais leves, que fisgam o espectador de algum modo, mas que não necessariamente têm cacife para levar a estatueta. Foi assim com Pequena Miss Sunshine (em 2007), Juno (em 2008) e Os Descendentes (2012). Esses filmes acabam ingressando na lista para dar mais "corpo" ao prêmio, pois mesmo fazendo sucesso em festivais de nome como o Sundance, acabam por perder para os filões mais "oscarizáveis" que a Academia tanto ama. Esse é o caso de Whiplash.

Dirigido pelo jovem (afinal, nasceu em 1985) Damien Chazelle, Whiplash é um orgasmo musical. A trama se passa no Conservatório Musical Schaffer em Nova Iorque, onde o regente Terence Fletcher (interpretado pelo sempre competente J.K. Simmons) trata os alunos do pior modo possível, ofendendo-os, agredindo-os fisicamente, tudo em nome de "ir além do limite". Fletcher é um professor (será?) irracional, que não tem escrúpulos em mudar os musicistas de sua banda de jazz como bem entende. Dentre os que sonham em fazer parte da banda, está Andrew Neyman (papel interpretado por Miles Teller, o futuro Sr. Fantástico no novo filme do Quarteto), um rapaz que anseia ser um grande baterista de jazz, mas que luta contra o preconceito de sua própria família. A vida de Andrew é dedicar horas e horas ao estudo de seu instrumento a fim de assegurar seu lugar na banda regida por Fletcher, mesmo que isso custe, literalmente, o seu sangue.

A história é simples, sim. É mais um filme em que acompanhamos a trajetória de um sonhador. E, pessoalmente, adoro filmes assim, "biográficos". Embora Andrew Neyman seja o protagonista principal, quem leva o filme pelas mãos é o ótimo J.K. Simmons, que recebeu o Globo de Ouro de Melhor Ator Coadjuvante merecidamente. Seu papel é muito delicado, interpretando um regente que é um verdadeiro cretino (pra não usar palavrões aqui no texto) e que não muda a sua natureza ao longo da projeção. No meu ponto de vista, não concordo com "professores" que se orgulham em ofender alunos, maltratando-os, chamando-os de burros ou incompetentes. Gente assim, pra mim, não serve para ensinar e jamais deveria ter o título de professor. Porém, dentro do contexto do filme, a figura de Fletcher serve para incentivar Neyman, fazendo-o descobrir que pode ir muito além de seus limites. E o desejo de ser o melhor acaba também atrapalhando sua vida pessoal, tornando Neyman um sujeito arrogante e solitário (seria essa uma metáfora romântica sobre o musicista de jazz?).

Contudo, o grande tesão do filme ainda é a sua trilha sonora. Somos embebidos em jazz. São minutos e mais minutos em que a música não para e nós, como espectadores, não desejamos que ela pare. Dá vontade de pegar alguma bebida e acompanhar a apresentação da banda de Fletcher. E tudo se torna ainda mais legal quando sabemos que o ator Miles Teller realmente se empenhou em tocar a bateria no filme. Poucos filmes me dão vontade de escutar sua trilha sonora ao final, mas no caso de Whiplash, estou redigindo essa impressão enquanto a ouço: é simplesmente magnífica!

Fugindo de um final politicamente correto, Whiplash dá uma pequena reviravolta em seu terceiro ato, o que nos traz um sorriso ao rosto, pois são detalhes assim que engrandecem uma obra. Com uma edição praticamente perfeita (afinal, somar vários takes de bateria não é para qualquer um), a obra de Damien Chazelle nos faz ficarmos mais atentos ao seu nome. Que venham ainda muitos filmes excelentes como esse, afinal, não é todo dia em que assistimos a um concerto de jazz na telona.

Alex Martire


Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância), 2014.


Se você fizer uma rápida pesquisa na internet sobre esse filme, verá que as opiniões e críticas estão bastante divididas: muitos chamam de "obra-prima", enquanto outros reclamam da monotonia e falta de propósito da obra. A verdade é que Birdman é um filme que parece ter mais para mostrar do que a primeira assistida revela. O problema é: quantos terão vontade (ou coragem) de se aventurar mais uma vez?

Dirigido pelo espanhol Alejandro González Iñárritu - que já vez belos filmes como 21 Gramas (2003), Babel (2006) e Biutiful (2010) -, Birdman não poupa ninguém como alvo para jogar seus tijolos. Citando nomes como Martin Scorsese, George Clooney e (de modo muito engraçado) Jeremy Renner, o ótimo roteiro original vai esquartejando a vida presente no teatro e no Cinema, com a louca obsessão por sucesso e reconhecimento. A trama é tão claustrofóbica quanto o cenário - que basicamente se resume ao teatro de New York: no passado, Riggan Thomson (Michael Keaton) atuou em 3 filmes de super-herói que fizeram bilhões de dólares em bilheteria, os filmes da série "Bridman". Quase vinte anos depois do estrondoso sucesso em sua carreira, Riggan está preso ao sonho de que a peça de teatro a qual dirige chame a atenção do público e crítica. Ao mesmo tempo, ele é obrigado a encarar a conturbada relação com sua filha Sam (Emma 'Olho-Grande' Stone) e conviver com um problema talvez até mais sério: uma suposta esquizofrenia, pois Riggan escuta a todo momento a voz de seu personagem Birdman martelando sua cabeça, tentando-o convencer a voltar a atuar em um possível "Birdman 4". A situação, que já não é das melhores, fica um pouco pior com a chegada do ator Mike Shiner(Edward Norton), um sujeito arrogante que vive dizendo a Riggan que ele não sabe atuar, que é um ator de filmes de super-heróis.

Esse é o contexto das quase 2 horas de filme. O roteiro é inteligentíssimo, distribuindo seus tapas sutilmente ao longo da projeção. A questão do passado de Riggan acaba por se misturar ao passado do próprio Michael Keaton: ele viveu o Batman em 1989 e 1992, ficando marcado por esses dois filmes, além de seus papéis em comédias, destacando-se, talvez, como o Bettlejuice no filme homônimo de 1988. Geralmente atores de comédias não são muito bem vistos no quesito interpretação - poucos são os que receberam grandes prêmios por atuarem na diversão da platéia. Eu mesmo, confesso, tenho um pouco de preconceito com atores assim, e sempre vi Michael Keaton como um ator do escalão menor. O filme usa isso sabiamente, mostrando a angústia de Riggan e seu desejo frenético de buscar o reconhecimento dos outros ao invés de o seu próprio (como sua filha lhe diz em uma das cenas mais marcantes do filme). Misturados a essa obsessão, temos os devaneios de Riggan, que incorpora a figura do Birdman pelas ruas de NY.

Acredito que Birdman seja um filme de redenção, no melhor estilo Aronofsky de ser. Acompanhamos Riggan pelas 2 horas sem praticamente não desgrudarmos dele. E esse é um ponto que chama demais a atenção na obra: ela é editada de modo a parecer que não há cortes. Abusando (no melhor sentido possível) de sequências longas, que dão ao espectador tempo de respirar e observar a fotografia, Iñárritu nos deixa íntimos de Riggan. Se no começo tudo causa um estranhamento, lá pela metade do filme já somos amigões do diretor de teatro. Acredito que esse é um mérito incrível de Iñárritu, pois ele fez o Arca Russa (2002) de Hollywood agora. E as pitadas da trilha sonora toda baseada em uma bateria de jazz só temperam ainda mais o sabor de Birdman

Infelizmente, em uma determinada cena do filme o Birdman diz a Riggan que as pessoas não querem ver filmes filosóficos ou que as façam pensar: elas querem explosões, morte, sangue... Se a vida de Riggan é uma farsa teatral, esse pensamento de Birdman é o mais dolorido de todos, pois é o mais verdadeiro...


Alex Martire





O Jogo da Imitação, 2014.



Alguns filmes simplesmente não fazem jus à grandiosidade das pessoas relatadas. 

Como escrevi na impressão de A Teoria de Tudo (2014), eu aguardava demais a cinebiografia de Alan Turing. A vida de Turing foi fascinante: ele é o pai da computação moderna e seu teste só foi (será mesmo?) resolvido recentemente (embora alguns ainda digam que não alcançamos o resultado desejado para o experimento). Turing foi um dos primeiros matemáticos a afirmar que as máquinas podiam pensar, mesmo que na época elas pudessem pensar "artificialmente" e não "organicamente", como os seres humanos, por exemplo. Turing é referência absoluta na área de Exatas e qualquer pessoa que já usou um computador na vida deveria - penso eu - ao menos saber que esse matemático inglês existiu. Em outras palavras, Turing foi muitas coisas, foi um "monstro" da Ciência e não escondo de ninguém o fascínio e respeito que tenho por sua figura e trabalho. Infelizmente, transformaram a vida de Alan Turing em algo raso como um pires.

Acredito que o problema não tenha sido na direção. O norueguês Morten Tyldum faz um filme redondinho em O Jogo da Imitação, e já provou ter competência quando dirigiu o excelente Headhunters (2011). Porém, ao adaptar o livro escrito por Andrew Hodges (que também colaborou no roteiro), tudo aquilo que poderia ser interessante sobre a vida de Turing se esvai com um contexto da Segunda Guerra Mundial que poderia passar rapidamente. A trama basicamente é centrada na construção da máquina (computador) de Turing, usada para descifrar o código nazista chamado Enigma. Acompanhamos as brigas de Turing com o alto escalão do exército para conseguir verbas ao mesmo tempo em que somos apresentados a sua arrogância e sua dificuldade em se relacionar com os demais colegas criptógrafos ingleses que trabalhavam para as Forças Armadas. É isso. Pura e simplesmente isso.

O filme não é ruim. O ritmo é muito bom e durante as quase duas horas de projeção somos fisgados. Talvez a maioria das pessoas que não conhecem um pouco a vida de Alan Turing realmente fiquem satisfeitas com a obra. Mas, para quem tem um pouco de conhecimento sobre esse cientista, é simplesmente frustrante que o filme tenha ficado apenas preso à construção de Christopher (nome dado ao computador). Acredito que o caminho deveria ser o mesmo seguido por A Teoria de Tudo: focar a vida do biografado, não seu trabalho. Ou que focassem o seu trabalho e mostrassem o mínimo interesse em apontar os caminhos técnicos de Turing para construir o computador. Assistindo ao filme, parece simplesmente que algo maior ilumina Alan Turing e ele é um gênio. Não existem gênios no mundo. Sinto muito se isso decepciona as pessoas mas a verdade é que apenas com muito esforço e estudo os grandes cientistas se tornaram grandes: nada sobrenatural aconteceu para que assim o fossem. 

Corta-se as etapas de esforço de Turing e o que sobra no filme é apenas um ser humano que poderia ser trocado por qualquer um em cena. O Jogo da Imitação falha miseravelmente em outro aspecto importantíssimo na vida de Turing: sua homossexualidade. É tudo tão sutil no filme que, se ele mesmo não falasse numa das cenas que era homossexual, não saberíamos. Foi um ato covarde e revoltante terem minado isso no filme. O governo britânico simplesmente obrigou Turing a uma castração química por ele ser homossexual. O governo britânico sentenciou quase 50.000 pessoas por homossexualismo. Isso é uma mancha gigantesca na já vergonhosa vida do governo monárquico britânico mas ficou pior: há poucos anos a digníssima Rainha ofereceu perdão a Alan Turing. Entendam bem: o governo britânico o obrigou a tomar injeções de hormônicos; o governo o castrou quimicamente; o governo foi responsável por seu suicídio em 1954; e o governo o perdoou, não o contrário! Acredito que se o enfoque fosse diferente, o filme poderia ser um tapa na cara da Rainha-fantoche inglesa, mas não... Colocando panos quentes sobre um assunto tão importante, que acabou por nos privar da mente brilhante de Turing, O Jogo da Imitação se tornou um filme qualquer. Bem realizado, mas covarde e inútil.

A interpretação de Benedict Cumberbatch, pra variar, é de tirar o chapéu. Ele é o único que honra a memória de Turing nesse filme. 

Uma pena.

Alex Martire


A Teoria de Tudo, 2014.



"Sou cosmólogo" - diz Stephen Hawking.
"O que é isso?" - questiona Jane.
"Um tipo de religião para ateus inteligentes" - responde Hawking, com um sorriso debochado.

Esse era o começo do relacionamento entre Stephen e Jane, e essa é a força motriz desta estupenda obra do não tão conhecido diretor James Marsh. Mais acostumado com documentários, o britânico Marsh toma o rumo correto ao não tentar explicar demasiadamente as teorias de Hawking. Se quer aprender sobre física, é melhor procurar em outro lugar: A Teoria de Tudo é sobre tudo, menos física. E justamente nesse "tudo" é que está a magia deste - para mim - perfeito filme.

2014 é um ano particularmente bom para o meu gosto: duas cinebiografias de dois dos cientistas que mais admiro no mundo chegam ao cinema - ainda não assisti ao Jogo da Imitação (2014), com Benedict Cumberbatch representando Alan Turing mas, se for tão bom quanto ao filme de Hawking (e deve ser, haja vista a indicação de ambos do Globo de Ouro 2015), tenho certeza de que irei adorar. Sobre Stephen Hawking, devo admitir que não li muita coisa e, do que li, só entendi inteiramente os seus livros infantis! Mas isso não o faz menos fascinante para mim. Embora eu discorde de alguns pontos de vista dele sobre a relação homem-máquina e o futuro da humanidade, é inegável sua contribuição ao mundo, colocando-o ao lado de nomes como Einstein e Galileu. Temos sorte em sermos contemporâneos a Stephen Hawking e, mais sorte ainda, em podermos assistir a um filme que o retrata como humano, não como um gênio, um ser superior.

A Teoria de Tudo é, de longe, o filme mais dolorido que vi esse ano. Ele machuca, e não se importa em machucar o espectador. A dor é do tipo pior possível, pois o que vemos em tela é um ser humano brilhante sendo atacado por uma doença neural que não tem misericórdia. É extremamente difícil ver Hawking lutando para sobreviver. E é muito prazeroso perceber que ele teve o apoio de uma grande mulher como Jane. O filme todo é cercado no relacionamento deles, suas alegrias e, principalmente, suas dores. A obra começa com Stephen Hawking conhecendo a garota num bar em Cambridge e logo a fascinando com suas palavras  bonitas e pensamentos afiados. Stephen está terminando seu doutorado quando recebe a notícia de que está doente, com a Síndrome de Lou Gehrig (ou Esclerose Lateral Amiotrófica), um problema neural que afeta seus movimentos, fala, respiração e que, de acordo com o médico, só lhe daria mais 2 anos de vida. Mesmo já demonstrando claros sintomas da doença, Stephen consegue seu doutorado - apesar de duras críticas - e esse momento é breve, mas lindíssimo no filme: uma mistura de pranto guardado com felicidade tímida. Enfim, já com o doutorado em mãos, o filme se distancia um pouco do ambiente acadêmico para focar a difícil vida do casal Hawking diante do avanço da síndrome. É quando o filme, de fato, agarra o espectador e não o solta mais até o seu final.

O papel de Jane Hawking (interpretado pela bela Felicity Jones) talvez seja ainda mais importante do que o do próprio Hawking nesse filme. Tal como em Uma Mente Brilhante (2001), cabe à mulher ser o lado forte da família (enfim, creio que sempre é assim). Só vemos Jane derramar, de fato, lágrimas, quase no fim da obra. Ela passa por momentos dificílimos e segura o choro: a cena em que ela e Hawking jogam croqué é uma das mais marcantes, transparecendo o misto de dor e raiva que Jane sente ao ver o homem que ama cambaleando pelo gramado, já afetado pela doença. Mais para frente, ela desabafa dizendo que está difícil suportar tudo, mas, mesmo assim, permanece ao lado de Hawking. Ele, por sua vez, ganhou um interprete magnífico na figura do excepcional Eddie Redmayne (que atuou em Os Miseráveis, 2012). Dizem que para concorrer aos prêmios mais importantes do cinema, basta interpretar alguém que sofre com alguma doença. Não sei se isso é verdade, mas acho merecida a indicação de Redmayne ao Globo de Ouro (e provavelmente ao Oscar 2015, também): deve ter sido hercúlea a tarefa em se transformar em Stephen Hawking e, ao mesmo tempo, convencer a quem assiste). Resumindo tudo: a dupla de atores é maravilhosa e o filme funciona tão bem justamente por causa deles.

Do ponto de vista técnico, A Teoria de Tudo tem cara de filme "oscarizável". Sua fotografia é discreta e as paisagens e casas da Inglaterra ajudam a pintar o quadro. A trilha sonora do islandês Johann Johansson é de uma sutileza incrível, não induzindo o espectador grosseiramente. A edição não deixa o ritmo cair em nenhum momento, e as duas horas de filme passam voando.

James Marsh conseguiu fazer, pra mim, o melhor filme de 2014. Não me recordo de nenhum filme ter me impactado tanto durante esses 12 meses. E talvez o maior mérito de um filme é fazer com que o espectador queira saber mais sobre ele quando os créditos sobem na tela. É o meu caso: vou reler o que tenho do Hawking, pois me deu uma vontade tremenda de poder entender melhor a mente desse homem que tem uma vida tão fascinante!

Alex Martire



O Hobbit: A Batalha dos Cinco Exércitos, 2014.


Lá e de volta outra vez...

Eu adoraria escrever que uma tremenda surpresa aconteceu e, milagrosamente, o terceiro filme sobre Bilbo Bolseiro foi algo espetacular que me fez rever minha vida e morder a língua por ter malhado os filmes anteriores. A vida nem sempre é justa e surpresas boas nem sempre acontecem...

O Hobbit: A Batalha dos Cinco Exércitos consegue fechar a trilogia com chave de papelão: Peter Jackson, o megalomaníaco capitalista, tortura mais uma vez seus espectadores, tratando-os como estúpidos. O que vemos em tela é um desfile de inutilidades. Um emaranhado de gritos, espadadas e milhares de personagens em CG pululando na tela. É tudo tão execrável que fica difícil lembrar de tudo (e se tornaria uma impressão muito longa se assim o fosse). Vou apontar apenas aquilo que me incomodou mais (o que incomodou menos deixarei de fora). Só há um meio possível de expressar a ruindade da obra, e ela deve ocorrer por meio de "porquês". Vamos lá.

- Por que, ó Peter Jackson, você estendeu tanto o segundo filme?! Era plenamente possível encerrar toda a pataquada que você criou em apenas dois filmes. Você fez um verdadeiro coito interrompido com a questão do dragão Smaug no segundo filme para, agora, resolver tudo em 10 minutos.

- Por que, ó Senhor dos Filmes Longos, você pensou que duas horas de uma batalha que dura poucas páginas seria tão interessante para a plateia? Necessitava tanto torrar dinheiro com computação gráfica?

- Por que, ó Magnânimo Adorador de Tolkien, você simplesmente distorceu aquilo que é principal no livro: experimentarmos a Terra-Média através dos olhos de Bilbo Bolseiro? Somente no primeiro filme é que Bilbo tem destaque. Nesse último, em especial, ele nem precisaria aparecer. Foi um desperdício incrível da competente atuação do Martin Freeman (como Bilbo, ele se saiu um excelente Dr. Watson!).

- Por que, ó Mestre das Adaptações, você corrompeu uma das obras literárias mais belas, puras e graciosas já escritas em algo épico, falhando, também, miseravelmente em criar no espectador qualquer vontade de chegar em casa e assistir ao Senhor dos Anéis? O tom sério da trilogia d'O Hobbit é de embrulhar o estômago.

Outro ponto a ser destacado é a necessidade desnecessária de transformar o rosto de Dain Pé-de-Ferro em algo feito no computador. Por quê? Simplesmente, por quê?

Se há algo de bom neste novo filme é a sua duração: as quase 3 horas dos antecessores, agora se tornaram 2 horas e uns 10 minutos de tormento. O filme não tem história alguma, ele todo é uma sucessão de batalhas e decapitações (algo que praticamente, não ocorria nos filmes 1 e 2). Cansativo. Entediante.

Espero que o deslize imenso de Peter Jackson ao levar para as telonas a história de Bilbo Bolseiro não se repita em seus próximos filmes. Espero, sinceramente, que mais nenhum estúdio dê carta branca para Peter Jackson trabalhar com filmes que necessitem (ou que ele force) de continuações.

De tudo isso, uma questão paira no ar: " E se os filmes tivessem sido dirigidos por Guillermo Del Toro?" Pois é, nunca saberemos.

E eu achando que o filme novo das Tartarugas Ninja era a pior coisa que havia visto esse ano...



Alex Martire



Esse vídeo seria bem melhor:



Ou esse!




Garota Exemplar, 2014.


Creio já ter escrito em algum lugar por aqui que David Fincher é um dos meus diretores preferidos. Ele tem um certo dom para escolher roteiros complexos e destrinchá-los de modo ímpar. Para mim, o único deslize de Fincher até hoje foi o insosso "Millenium" (2011), que simplesmente parece fugir do tom de suas obras anteriores. Não que o filme tenha sido um desastre completo, mas, tratando-se de David Fincher, eu não espero nada mais que a excelência. Felizmente, ela está de volta!

Garota Exemplar é "Fincheriano" do início ao fim. Temos tudo o que consagrou o diretor: violência, reviravoltas, diálogos afiadíssimos... é um filme de "encher os olhos". E como toda obra boa de Fincher, é extremamente difícil escrever sobre ela sem entregar a trama. Vou tentar resumir, então, em apenas poucas palavras aquilo que vemos em tela durante a projeção: Nick Dunne ( o sem-conserto Ben Affleck) tem um casamento de 5 anos conturbado com Amy Dunne (a loira-porcelana Rosamund Pike); regado a desejos não concretizados e indícios de agressões verbais e físicas, a história do casal muda drasticamente quando, nas bodas de casamento, Amy misteriosamente desaparece de casa. A vida de Nick passa por transformações profundas quando passa a ser investigado pela polícia e julgado pela mídia e pela sociedade sobre o sumiço de Amy.

Falar mais do que isso estragaria o prazer em se assistir ao filme. E que prazer! É simplesmente delicioso ver um dos mestres do suspense novamente nos entregando uma obra praticamente impecável como Garota Exemplar. Se os filmes anteriores de Fincher são bastante psicológicos,  este explora um lado que não aparece tanto nos demais: a doença sexual. O filme é sobre sexo. O filme é sobre possessão. O filme é um tanto doentio também no modo como nos faz querer saber como aquilo tudo acabará. Fincher tem tanta segurança que joga a reviravolta do filme praticamente em sua metade e muda a história completamente, dando-nos uma outra visão de tudo. É um prazer quase sexual sentir que o clímax só virá mais tarde. O modo como monta a estrutura da obra colabora incrivelmente para isso: Fincher mistura trechos do diário de Amy com a cronologia de seu desaparecimento, nos colocando ora numa espiral, ora numa linearidade.

Antes de assistir ao filme eu havia lido que as interpretações de Affleck e Pike eram dignas de prêmios. Ok, não é para tanto. E a culpa, novamente, é a de Ben Affleck. Já abri mão dele, não tem mais salvação... Neste filme ele está um pouco menos pior, mas continua sendo aquele sujeito de uma face só. Felizmente, suas falhas são compensadas pelos atores coadjuvantes (como sua irmã e a investigadora policial) e, principalmente, pela encantadora Rosamund Pike, que consegue transmitir com veracidade os problemas que o amor pode gerar. Quase sempre coadjuvante na telona, acredito que Pike irá, daqui em diante, conseguir mais papéis de destaque, uma vez que provou, de vez, ser capaz de lidar com personagens extremamente complexos.

David Fincher dirigiu mais uma obra-prima. Garota Exemplar irá deliciar quem gostou de "Zodíaco" (2007), "Seven" (1995) ou "Clube da Luta" (1999). Certamente um dos melhores filmes que assisti esse ano e um dos principais na já excelente carreira de Fincher. Mais do que obrigatório.

Alex Martire


A Memória que me contam, 2013.



Um cinema de experiências e não político?


Propus-me a  um desafio, este resume-se e concretiza-se no estudo  da trajetória e a cinematografia da cineasta Lúcia Murat, ambas atreladas, pois como a cineasta afirma em entrevistas  seus filmes sobre a Ditadura Militar têm como ponto de partida suas experiências como uma jovem de classe média com pretensões revolucionárias, com uma presa política, vítima da tortura, esta um dos principais dispositivos utilizados pelo regime autoritário. Sendo que até hoje, apesar das medidas em prol dos Direitos Humanos  e das denúncias, mantem-se como um recurso recorrente e operante.

Escrevo aqui sobre o filme mais recente de Lucia,    A Memória que me contam, lançado no ano passado, assim como Quase dois irmãos (2005) e  Uma longa viagem (2011) uma das temáticas centrais é a  das  “utopias destruídas” de uma geração que resistiu ao regime político autoritário, e que buscava não apenas acabar com ele, mas de forma mais ampla uma sociedade mais justa, mais igualitária. É assim, que Lúcia consente a Revolução para sua geração, ela não se resumia apenas em derrubar o poder dos militares, mas transformar as estruturas remanescentes da sociedade brasileira. Lúcia e muitos de sua geração sonhavam e, o melhor de tudo, lutaram por uma “sociedade ideal”.

Lúcia resiste um pouco em definir o seu cinema como sendo político, apesar da dificuldade que encontramos de dissociá-lo dessa condição, e quem sabe objetivo.  A cineasta acredita que o termo seja mais apropriado para fazer referências a um gênero, do que propriamente a seus filmes. Para ela, os seus filmes não são continuidade de sua luta, mas muito mais de sua vida. Os seus filmes têm como fundamento as suas experiências no passado, principalmente, a da resistência à ditadura, por essa razão as situações associadas à violência, à diferença e à tortura são recorrentes em suas obras. Essas são situações limites que viveu e que acha impossível fugir delas. 

“Pelo resto da minha vida eu repito nos meus filmes as mesmas coisas de maneiras diferentes.”

Apesar de possíveis repetições, os filmes de Lúcia Murat  possuem singularidades que os diferenciam uns dos outros, há uma aproximação no campo temático, o uso do lúdico,  este interligado às idas e voltas – um trânsito dissonante, revelador, às vezes doloroso da memória. No entanto, sua obra corresponde a “propostas estéticas e buscas diferentes”, mesmo que eles digam respeitos a momentos passados de sua vida. 

Em A Memória que me contam  vamos conhecendo de forma gradativa a militante Ana, por meio das falas de seus antigos “companheiros”, que tentam no período contemporâneo lidar com a condição de terem sobrevivido à perseguição, à prisão e à tortura. Como declara Lúcia Murat e uma das personagens de seu filme, há um sentimento de culpa cercando esses indivíduos devido ao fato de terem continuado vivos, enquanto outros envolvidos na mesma luta que eles não tiveram o mesmo destino.

Sendo assim, a figura de Ana, ou melhor dizendo, a lembrança que eles têm de Ana é um dos  principais elementos que os mantêm ligados ao passado de resistência e militância política. A narrativa do filme estrutura-se a partir de flashes de memórias de seus personagens, por essa razão podemos dizer que ela é fragmentada,   descontínua  e parcial. Com molduras nostálgicas e afetivas. Há a dor da perda da amiga, mas há outra dor  de um  não lugar no mundo dessa geração de presos políticos, que apesar de terem se tornando pessoas bem sucedidas, sentem-se ora injustiçados, ora culpados. 

O revelar as histórias implica em mexer em um passado doloroso, que alguns não querem trazer à tona, não diria que Ana represente essa parte dolorosa do passado desses amigos ex-militantes contra o regime militar.  Ana de certa forma representa o que de bom existiu naquela época. Se por um lado,  eles reconhecem que não foram apenas vítimas, pois também usaram da violência como meio de defesa e como forma para tornar suas lutas mais efetivas, alguns deles reconhecem que na atualidade afastados de suas pretensões revolucionárias de outrora começaram a fazer política de fato. Entre os ex-militantes, encontramos profissionais bem resolvidos e com influência significativa na sociedade, por exemplo, um ministro. 

O filme apresenta como pano de fundo  questões ligadas aos “reparos” e buscas por verdade, esta longe de ser única, no que diz respeito aos impasses de lidar com as memórias da ditadura civil-militar na sociedade brasileira. As recusas e insistências de abertura dos arquivos, um novo momento da nossa história  iniciado com a implementação das Comissões da Verdade, as quais tentam lidar com os pilares: Memória, Verdade e Justiça.

Ana mantem-se jovem e bonita na lembrança de seus companheiros. Ela, na minha leitura, representa a utopia de outrora.

“Ana nossa eterna rebelde, que nos unia e de quem precisávamos!”

 Mas ela não sobreviveu. Ana confessa à amiga: “Minha identidade se foi nessa revolução perdida (...) Estou sobrevivendo a mim mesma!”

As utopias derrotadas e os sentimentos de injustiça  e culpa que aparecem no filme não fazem dele uma obra extremamente pessimista. As revoluções diferente daquela de meados e segunda metade do século passado assumem outras especificidades e pretensões em nossa sociedade contemporânea, cabendo a cada um de nós acreditar ou não, defender ou repudiar suas possibilidades e intenções.

Uma das vias possíveis no meu ponto de vista é a arte. O jovem Eduardo afirma: “Micro revoluções , explosões de afetos, insisto persisto, levo minhas artes para as ruas, é a minha revolução!”

Por mais que Lúcia Murat seja relutante em denominar os seus filmes como políticos, e que eles expressem a sua luta, diria, assim como a própria, que reconhece que o lidar com um passado traumático e continuar criando é incrível. Para ela, é uma maneira de lidar com a culpa, para mim a de continuar envolvida numa causa revolucionária, não aquela que buscava uma sociedade ideal, mas uma que recusa um hipócrita e conveniente esquecimento, que escancara uma história, que apoia-se na memória como experiência, fundamento e legitimação, por mais que o seu trânsito às vezes seja confuso e doloroso.


Cleonice Elias da Silva    


A Ilha de Bergman, 2006.


                                  Bergman sua Ilha, sua solidão, eterna juventude e seus demônios


Este filme comprei  entre outros em  um momento de impulso consumista, mas impulsos consumistas que resultam em compras de filmes e livros são altamente recomendáveis.  Não sou uma especialista em Ingmar  Bergman, ainda estou conhecendo pouco a pouco a sua filmografia, mesmo não sendo uma especialista da  produção Bergeniana uma coisa eu afirmo, seus filmes não são recomendados para domingos à tarde, quando estamos lamentando gradativamente a chegada da segunda-feira. 

Os filmes de Bergman por falta de um adjetivo mais apropriado são de uma densidade que nos fazem ficar indo e voltando a eles, buscando as melhores interpretações, as melhores leituras, todas essas no meu ponto de vista são tentativas inconclusas. Interpretações e leituras nem sempre implicam no conhecimento  de uma determinada coisa. Diante dessa minha constatação, fiquem  à vontade em discordar, o que nos resta e  nos rendermos  a nossas experiências como espectadores,  essas muito  únicas e muito particulares. Daí entre outros aspectos a  maravilha  do cinema. Li não sei direito onde uma declaração, acho que do Andrea Tonacci, - um dos ícones do nosso Cinema Marginal – que o cinema não deve ser encarado como um retrato da realidade – e de fato ele não é.

Minimizamos seus efeitos, seus valores, seus  significados, sua essência se o consentimos dessa forma.  De fato ele é a representação de uma  dada e pretensa realidade, mas acredito veemente que ele pode em maior ou menor escala nos ajudar a “lidar”,  compreendê-la  e conviver de forma mais amena com ela. Não sei se para vocês ?  Mas  para mim o cinema não é apenas uma  válvula de escape,  é  muito mais o meu lugar   de conforto  - um porto de chegada acolhedor que  me ajuda a  encarar e ler melhor a realidade ou quem sabe as  realidades que me rodeiam.

Sendo assim , não só os filmes de Bergman como dos demais cineastas que lidam com temáticas densas, existencialismo, dramas pessoais  etc; podem nos conduzir nesse processo. Mas é claro que cabe a cada espectador  optar em encarar o cinema como apenas uma diversão, não que isso seja ruim, mas aconselho experimentá-lo   também como um meio de “crescimento pessoal”. 
A Ilha de Bergman  (2004)  foi realizado por  Marie Nyreröd   e  exibido no Festival Internacional de Cinema de São Paulo no ano de sua morte, 2007. Lançado em DVD no Brasil pela Versátil.
 Na minha leitura o ponto de partida do filme é a solidão vivida pelo cineasta que resolveu por escolha própria morar na Ilha de Färö, para ele, nela ele sente-se cercado por outra realidade. A primeira vez que esteve na ilha foi em 1960: “Senti a estranha sensação de ter chegado em casa!”

Mas no transcorrer do filme essa solidão pareceu-me amena  e a história de vida do cineasta – suas lembranças  - seu entusiasmo com o cinema e com a vida a ofuscam, mas percebi que ele a considera  necessária para sua vida.

“Às vezes eu penso  que deveria ligar para alguém, mas depois deixo pra lá. Não há nada mais maravilhoso do que a solidão. ”

Com seus 88 esbanja muita  simpatia e coerência em todas as suas declarações. Desde jovem engajou-se com a causa do cinema,  dirigindo  no total  67 filmes, muitos deles para televisão, além disso,  Ingmar Bergman  escreveu  70 roteiros . Estes, para o cineasta, surgem geralmente quando ele vê uma imagem.  A história de  Gritos e Sussurros (1972), por exemplo, surgiu a partir de uma imagem  de um quarto de castigo com mulheres.

“Tanto em Persona (1966)  como em Gritos e Sussurros a criatividade veio me socorrer em situações difíceis (...) A criatividade de Persona salvou minha vida! Já no outro a criatividade foi confortante e tranquilizante” – afirma ele.  

Em 1944, realiza seu primeiro filme Tortura do Desejo  e em  2005 seu último,  Bergmanova Sonata,  um filme para televisão.

Os lugares de memória são revistados por ele em companhia de Marie Nyeröd, a partir desses espaços  que marcaram momentos  do passado do cineasta, histórias selecionadas por ele vêm  à tona, uma vez que a memória é seletiva e influenciada  diretamente por laços afetivos ou desavenças que não deveríamos, mas trazemos conosco. E acredito que tal aspecto influi nos relatos privilegiados pelo cineasta. Bem humorado  topou a proposta da cineasta de encenar algumas situações que remeteriam às vivenciadas em momentos de seu passado.

Sobre o filme Tortura do Desejo afirma:

“Quando realizei o meu primeiro filme, só gritei e briguei  não tinha nenhuma autoconfiança!”

Para ele,  Sorrisos de uma Noite de  Amor  (1955) foi um divisor de águas para sua carreira, um grande sucesso que rendeu bastante dinheiro, exibido em Cannes.  A partir de então segundo ele: “(...) Tive a oportunidade de filmar como queria!” Levando consigo sempre que possível sua câmera de  16 mm.
No decorrer do documentário  trechos de seus filmes são  exibidos de forma aleatória. E compartilha  com a cineasta eventos ocorridos no momento das filmagens de alguns  deles.

Bergman no decorrer de sua vida casou-se várias vezes, teve 9  filhos e sempre prezou pela sua juventude:  afirma que costumava  dizer que saiu da puberdade apenas aos 58 anos. Mesmo mantendo  esse espírito jovial que sempre esteve presente na forma como Bergman lidava com as situações de sua vida,  o assunto morte aparece no documentário. Reconhece que ela é um  fantasma que ora o ronda.  Em um determinado momento de sua vida fez uma lista com seus demônios, o pior dentre eles  é o desastre (quando as coisas não saem conforme o planejado)  e o medo, afirma sentir medo de tudo. Confessa que tem um gênio terrível e que é rancoroso: “Tenho uma memória de elefante!” O nada também o apavora, quando  sua criatividade e imaginação o abandonam: “(...) as coisas se tornam totalmente silenciosas e vazias.”

Recomendo demais  esse documentário para os que já são conhecedores  da obra de Ingmar Bergman ou para aqueles que assim como eu ainda estão conhecendo aos poucos.  Pois uma coisa é obvia as experiências vivenciadas pelos artistas influem diretamente na sua produção artística. Sendo assim, talvez possamos utilizar adjetivos mais apropriados  para caracterizar , assim como,  alguns termos com a ambiciosa pretensão de  “explicar”  seus filmes.

Cleonice Elias 
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